Na Pequena Angola, uma graphic novel épica afro-brasileira

No dia 20 de novembro, lembramos o dia da morte em batalha do grande líder quilombola Zumbi dos Palmares, símbolo inspirador da resistência dos afrodescendentes brasileiros contra as injustiças e mazelas sociais acarretadas pelo racismo. Neste dia, nada mais adequado do que abordarmos aqui uma obra de grandiosidade proporcional a essa lenda. Trata-se da premiada graphic novel Angola Janga, do autor Marcelo D'Salete.

Nesta obra de fôlego, o autor nos leva ao Quilombo dos Palmares, ou como era denominado por seus habitantes, Angola Janga, que se traduz como "Pequena Angola". Lá, conhecemos a vida de seus habitantes às vésperas do ataque da expedição portuguesa que destruiu o quilombo.

O nível de maestria na execução do projeto é fantástico, desde a extensa pesquisa com fontes históricas (detalhadas em uma bibliografia ao fim da obra), passando pela contextualização do tráfico escravista atlântico, apresentada em um ensaio detalhado com mapas, um glossário dos termos mais incomuns usados ao longo do texto e, principalmente, o primor no uso da linguagem dos quadrinhos, com vários enquadramentos cinematográficos, vários casos de uso da própria imagem sem palavras como narrativa e pequenas escolhas, como o uso esparso de onomatopeias, fazendo com que as suas poucas ocorrências soem de maneira estrondosa, como disparos de armas de fogo em meio a uma ação furtiva dentro da mata fechada.

Influências da velha guarda
do quadrinho nacional

O estilo do desenho transita, ainda, entre diversas tendências (percebo reminiscências dos trabalho de Rodolfo Zalla, Primaggio Mantovi, Lourenço Mutarelli), oferecendo um alto grau de dinamismo ao uso da impressão em preto e branco, apresentando rostos e corpos com expressões e cicatrizes bem demarcadas e administrando um ritmo intenso em cenas mais orientadas à ação e, ouso dizer, até mesmo construindo uma espécie de "barroco tropical" ao retratar os contrastes de luz e sombra da própria mata e o clima sombrio e opressivo dentro do engenho e da senzala.

O barroco tropical
de Marcelo D'Salete

D'Salete também não poupa esforços no roteiro, evitando atalhos narrativos em uma trama intrincada, com vários flashbacks, narrativas de antiga sabedoria africana e sequências subjetivas e até mesmo oníricas, equilibrando, assim, o histórico e o mítico, como se espera de uma boa narrativa épica.

Tudo isso vem apresentado em robustas 432 páginas, uma elegante capa dura e papel de alta gramatura, um material que faz juz à grandeza da história aqui contada. Uma bela e respeitosa abordagem a um momento doloroso da história, digno de figurar ao lado de clássicos da nona arte como Maus, Persépolis e Gen Pés Descalços.

Site do autor: www.dsalete.art.br

Adquira sua cópia no site da editora: https://veneta.com.br/2018/09/05/angola-janga/



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